Projetos e Dinheiro
Os projetos em quadrinhos não precisam de muito dinheiro
investido. Quem trabalha com ilustração e história
em quadrinhos sabe que vai dormir menos. É preciso muito
mais dedicação para o seu projeto pessoal. Às
vezes, ocorre o pensamento de fazer projetos de quinze anos atrás.
Quando isso acontece, ou você começa quando tem qualquer
tempo livre, ou não faz. Quando há um projeto, é
pressuposto de que você irá trabalhar um pouco mais,
que não será fácil. Você pega trabalhos
que são realmente difíceis – não em
termos gráficos – e que exigem paciência. No
Brasil não existem grandes projetos em histórias
em quadrinhos. Falta incentivo, apoio. Assim, a coisa fica mais
rápida, até porque os brasileiros são ótimos
chargistas.
È preferencial focar nos projetos possíveis, que
podem ser realizados, mesmo que sejam menores. O importante é
que as idéias estejam lá. Conforme você adquire
experiência nos quadrinhos, você sabe o seu limite
– claro que vai querer quebrá-lo – mas você
já sabe o que consegue desenhar, o tempo que tem, a história
que você nunca vai terminar, um projeto que é ótimo;
mas é impossível fazer; com o tempo você descobre
isso.
Referências gráficas
Kako: A pesquisa, em texto ou fotografia, é
muito importante. Quando a pesquisa é fotográfica,
não significa que ela reduza o processo criativo. A partir
do momento que você começa a mexer com a foto, o
processo criativo também começa.
Gabriel Bá: Existem algumas distorções
das lentes fotográficas que ficam mais divertidas no desenho.
Não é com qualquer tipo de desenho que você
conta uma história. Às vezes, é preciso uma
narrativa mais careta, mais cinematográfica, na qual a
relação de um quadrinho para o outro fique mais
óbvia. Os desenhos baseados em fotos possuem menor flexibilidade.
Há uma relação mais imediata com o que vemos,
porque parece mais uma foto, por mais que seja tratada; porém,
não há uma expressividade que vá fazer minha
mão apontar para um lado, e que no próximo quadrinho
a vista seja apenas da mão. Com a foto, essa mão
seria apenas um risco. Existem algumas histórias em quadrinhos
com referências fotográficas que, se bem calcadas
na fotografia, podem ser contadas. Agora, a referência é
algo muito legal. A história e o desenho ficam muito mais
ricos, mesmo que a referência não esteja ali, evidente.
D’angelo: Nunca parei para estudar anatomia.
Porém, em uma história, fiz um cara que por algumas
páginas vira um esqueleto. Aproveitei que o meu cunhado
é médico e peguei uns livros com ele. Também
olhei na internet e encontrei duas imagens, uma de frente e uma
de costas. Perguntei ao meu cunhado se estava certo e ele disse
que sim. É legal descobrir essas coisas. Descobri que por
26 anos errei o encaixe do cotovelo... Assim, esse trabalho também
usa referências, embora não fotográficas,
mas serve pra enriquecer o desenho.
Gabriel Bá: Em HQ, o melhor desenho é o
que conta a história. Pode ser baseado em uma foto, cartunesco,
simples, super detalhado. De um quadrinho para outro, é
preciso passar a informação, funcionar com o diálogo,
sem o diálogo. Não é uma ilustração.
A ilustração funciona sozinha ou com o contexto
que está no texto. Os quadrinhos são diferentes.
Kako: Eu trabalho basicamente com referência
em fotos. O meu estilo, até por causa das grandes guerras
que faço, precisa ser um pouco mais realista. O trabalho
baseado em fotos limita? Sim e não. Se você faz uma
pesquisa basicamente da internet, em bancos de imagens, você
fica limitado pela visão do fotógrafo. Isso até
você descobrir a sua câmera fotográfica digital.
Aí fica uma maravilha: você quer uma mão de
um certo jeito, vai lá e tira a foto. Você começa
a ter outra relação com o desenho. No caso de trabalhar
com a fotografia, leva algum tempo para você se desvincular
da relação do que é a fotografia e do que
é o seu desenho, o que é original. Você gasta
também algum tempo com pesquisas e montagens. O que realmente
importa é a manipulação: como você
vê e utiliza a imagem. A época em que comecei a trabalhar
com vetor foi na mesma época que trabalhava com Internet.
No trabalho com vetor, você começa mexendo com foto.
Muitos dos designers que trabalhavam comigo começavam a
pegar a manha do vetor em cima de fotos.
Gabriel Bá: Em trabalhos com referências
fotográficas e desenhos à mão, você
pode usar fotos de pessoas e cenários. Quando é
um cenário difícil, dá para pegar uma foto
legal de cidade, com prédios. O cara coloca um papel em
cima e faz uns risquinhos, uns quadradinhos, e quando você
vai ver, a foto é de um jeito completamente diferente.
Esse é um jeito muito prático de usar referências
fotográficas, se você usa o papel ou o computador.
Também dá para pegar uma foto, copiar uma vez, pegar
outro papel, desenhar, olhar a foto, ver os detalhes e depois
desenhar no seu estilo.
Kako: É uma questão de articulação.
Mercado de HQ
Pergunta: Como está o mercado de quadrinhos?
Kako: Até fiquei assustado. Fizemos a
revista Rock’n Roll ano passado e ela vendeu legal.
Fábio Moon: Esse é o mercado de
quadrinhos: não dá para querer ter uma “Chiclete
com Banana”, que vende cinqüenta mil exemplares por
mês. O sonho não é uma editora que vá
bancar.
D’angelo: Tem um com exemplo: A Abril
tem um grande poder de distribuição. Ela lançou
a Bizarro, que ninguém conhecia, uma revista única,
com um número. O grande trunfo dela foi ter a Abril junto.
Homem Aranha, que é conhecida, hoje em dia vende quinze
mil em São Paulo e Rio de Janeiro. A bizarro, que era desconhecida,
vendeu quinze mil exemplares. Tem quinze mil caras que arriscaram
e compraram revista.
Gabriel Bá: As vendas de revistas em
banca mudaram muito. Hoje em dia é muito difícil
vender. Isso porque tem todo tipo de revista, DVD, mangás,
tem de tudo em banca. Agora, tem gente que, quando consegue a
chance de fazer um projeto, prefere fazer em banca, porque é
preciso fazer mais de dez mil exemplares e as chances de seu trabalho
ser visto é maior. Não achamos que esse é
o caminho, então trabalhamos de forma independente. Trabalhamos
com editoras que fazem livros. Então as tiragens são
de mil, dois mil exemplares. É o que falamos antes: a diferença
de ter seu projeto de dez, quinze anos e saber o que é
possível. Se eu continuar fazendo as minhas histórias,
que eu sei que vou conseguir terminar, que sei que vai vender,
que é barato para mim, barato para quem vai comprar, dinheiro
fica quase sem ser o problema. A revista não vai dar prejuízo,
vai ser barata para quem quiser comprar, eu não vou ter
que dar lucro à editora que estiver me bancando ou algo
assim. Só posso fazer mil, vou fazer mil. Se eu fizer mil
exemplares por ano, sei que vou vender. Agora se forem dez mil
para a banca, vai encalhar, porque até pornô encalha.
Kako: O problema é a vinculação
dos dois termos: independente e não-profissional. O nosso
trabalho é independente. A “Hattin” pertence
a um nicho muito pequeno. É uma história em quadrinhos
sobre história. A gente tem um tratamento especial com
as revistas. Se você vai gastar com papel, com tinta, vamos
gastar com coisa boa, trabalhar um pouco mais. O que também
conta é o tempo de experiência. Quando você
faz um fanzine com quinze anos, vai ser xérox, porque tem
que ser xérox. Agora, com trinta anos de idade, você
pensa: Um “xerocão”? Ah, precisa ser melhor
do que isso. Você já sabe como funciona a gráfica,
onde você pode ganhar. A Rock’n Roll foi uma das coisas
mais felizes que já fizemos. Foi pá-pum e deu super
certo. Quando a revista se bancou, pensamos: vamos fazer mais?
Claro que vamos. |