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Aventuras em HQ

Gabriel Bá, Fábio Moon, Kako e Bruno D’angelo falam do mundo das Histórias em Quadrinhos. Na discussão rolaram vários aspectos, como projetos, dinheiro, o mercado atual e o futuro.
Fábio Moon: Uma coisa que não vai ter em nenhum outro happy hour é: nós quatro somos ilustradores. E nós fazemos também histórias em quadrinhos. Ninguém vive de quadrinhos, a gente gasta mais do que ganha. Mas falamos para as pessoas que somos quadrinistas. Esse é o maior exemplo de que é possível fazer o que quisermos da vida, sem termos que reclamar dela. A gente não reclama da vida, que a gente tem que ganhar dinheiro ou que tem um trabalho horrível. Fazemos quadrinhos e ilustração, somos diretores de arte. O que pintar, fazemos. Ganhar dinheiro é um detalhe, nunca pode ser empecilho para o que você deseja fazer. Ganhar dinheiro é uma conseqüência. O esforço feito para fazer quadrinhos é tão grande que quando aparece uma ilustração, parece que é mais fácil. Fazer quadrinhos é descobrir a roda, página após página. Não tem um mercado, você não sabe se aquilo vai dar certo. Com a ilustração não, você já sabe para onde vai, aquilo tem um destino certo.
Kako, Gabriel Bá, Fábio Moon e Bruno D´Angelo

Projetos e Dinheiro

Os projetos em quadrinhos não precisam de muito dinheiro investido. Quem trabalha com ilustração e história em quadrinhos sabe que vai dormir menos. É preciso muito mais dedicação para o seu projeto pessoal. Às vezes, ocorre o pensamento de fazer projetos de quinze anos atrás. Quando isso acontece, ou você começa quando tem qualquer tempo livre, ou não faz. Quando há um projeto, é pressuposto de que você irá trabalhar um pouco mais, que não será fácil. Você pega trabalhos que são realmente difíceis – não em termos gráficos – e que exigem paciência. No Brasil não existem grandes projetos em histórias em quadrinhos. Falta incentivo, apoio. Assim, a coisa fica mais rápida, até porque os brasileiros são ótimos chargistas.
È preferencial focar nos projetos possíveis, que podem ser realizados, mesmo que sejam menores. O importante é que as idéias estejam lá. Conforme você adquire experiência nos quadrinhos, você sabe o seu limite – claro que vai querer quebrá-lo – mas você já sabe o que consegue desenhar, o tempo que tem, a história que você nunca vai terminar, um projeto que é ótimo; mas é impossível fazer; com o tempo você descobre isso.

Referências gráficas

Kako: A pesquisa, em texto ou fotografia, é muito importante. Quando a pesquisa é fotográfica, não significa que ela reduza o processo criativo. A partir do momento que você começa a mexer com a foto, o processo criativo também começa.

Gabriel Bá: Existem algumas distorções das lentes fotográficas que ficam mais divertidas no desenho. Não é com qualquer tipo de desenho que você conta uma história. Às vezes, é preciso uma narrativa mais careta, mais cinematográfica, na qual a relação de um quadrinho para o outro fique mais óbvia. Os desenhos baseados em fotos possuem menor flexibilidade. Há uma relação mais imediata com o que vemos, porque parece mais uma foto, por mais que seja tratada; porém, não há uma expressividade que vá fazer minha mão apontar para um lado, e que no próximo quadrinho a vista seja apenas da mão. Com a foto, essa mão seria apenas um risco. Existem algumas histórias em quadrinhos com referências fotográficas que, se bem calcadas na fotografia, podem ser contadas. Agora, a referência é algo muito legal. A história e o desenho ficam muito mais ricos, mesmo que a referência não esteja ali, evidente.

D’angelo: Nunca parei para estudar anatomia. Porém, em uma história, fiz um cara que por algumas páginas vira um esqueleto. Aproveitei que o meu cunhado é médico e peguei uns livros com ele. Também olhei na internet e encontrei duas imagens, uma de frente e uma de costas. Perguntei ao meu cunhado se estava certo e ele disse que sim. É legal descobrir essas coisas. Descobri que por 26 anos errei o encaixe do cotovelo... Assim, esse trabalho também usa referências, embora não fotográficas, mas serve pra enriquecer o desenho.

Gabriel Bá:
Em HQ, o melhor desenho é o que conta a história. Pode ser baseado em uma foto, cartunesco, simples, super detalhado. De um quadrinho para outro, é preciso passar a informação, funcionar com o diálogo, sem o diálogo. Não é uma ilustração. A ilustração funciona sozinha ou com o contexto que está no texto. Os quadrinhos são diferentes.

Kako: Eu trabalho basicamente com referência em fotos. O meu estilo, até por causa das grandes guerras que faço, precisa ser um pouco mais realista. O trabalho baseado em fotos limita? Sim e não. Se você faz uma pesquisa basicamente da internet, em bancos de imagens, você fica limitado pela visão do fotógrafo. Isso até você descobrir a sua câmera fotográfica digital. Aí fica uma maravilha: você quer uma mão de um certo jeito, vai lá e tira a foto. Você começa a ter outra relação com o desenho. No caso de trabalhar com a fotografia, leva algum tempo para você se desvincular da relação do que é a fotografia e do que é o seu desenho, o que é original. Você gasta também algum tempo com pesquisas e montagens. O que realmente importa é a manipulação: como você vê e utiliza a imagem. A época em que comecei a trabalhar com vetor foi na mesma época que trabalhava com Internet. No trabalho com vetor, você começa mexendo com foto. Muitos dos designers que trabalhavam comigo começavam a pegar a manha do vetor em cima de fotos.

Gabriel Bá: Em trabalhos com referências fotográficas e desenhos à mão, você pode usar fotos de pessoas e cenários. Quando é um cenário difícil, dá para pegar uma foto legal de cidade, com prédios. O cara coloca um papel em cima e faz uns risquinhos, uns quadradinhos, e quando você vai ver, a foto é de um jeito completamente diferente. Esse é um jeito muito prático de usar referências fotográficas, se você usa o papel ou o computador. Também dá para pegar uma foto, copiar uma vez, pegar outro papel, desenhar, olhar a foto, ver os detalhes e depois desenhar no seu estilo.

Kako: É uma questão de articulação.

Mercado de HQ

Pergunta: Como está o mercado de quadrinhos?

Kako: Até fiquei assustado. Fizemos a revista Rock’n Roll ano passado e ela vendeu legal.

Fábio Moon: Esse é o mercado de quadrinhos: não dá para querer ter uma “Chiclete com Banana”, que vende cinqüenta mil exemplares por mês. O sonho não é uma editora que vá bancar.

D’angelo: Tem um com exemplo: A Abril tem um grande poder de distribuição. Ela lançou a Bizarro, que ninguém conhecia, uma revista única, com um número. O grande trunfo dela foi ter a Abril junto. Homem Aranha, que é conhecida, hoje em dia vende quinze mil em São Paulo e Rio de Janeiro. A bizarro, que era desconhecida, vendeu quinze mil exemplares. Tem quinze mil caras que arriscaram e compraram revista.

Gabriel Bá: As vendas de revistas em banca mudaram muito. Hoje em dia é muito difícil vender. Isso porque tem todo tipo de revista, DVD, mangás, tem de tudo em banca. Agora, tem gente que, quando consegue a chance de fazer um projeto, prefere fazer em banca, porque é preciso fazer mais de dez mil exemplares e as chances de seu trabalho ser visto é maior. Não achamos que esse é o caminho, então trabalhamos de forma independente. Trabalhamos com editoras que fazem livros. Então as tiragens são de mil, dois mil exemplares. É o que falamos antes: a diferença de ter seu projeto de dez, quinze anos e saber o que é possível. Se eu continuar fazendo as minhas histórias, que eu sei que vou conseguir terminar, que sei que vai vender, que é barato para mim, barato para quem vai comprar, dinheiro fica quase sem ser o problema. A revista não vai dar prejuízo, vai ser barata para quem quiser comprar, eu não vou ter que dar lucro à editora que estiver me bancando ou algo assim. Só posso fazer mil, vou fazer mil. Se eu fizer mil exemplares por ano, sei que vou vender. Agora se forem dez mil para a banca, vai encalhar, porque até pornô encalha.

Kako: O problema é a vinculação dos dois termos: independente e não-profissional. O nosso trabalho é independente. A “Hattin” pertence a um nicho muito pequeno. É uma história em quadrinhos sobre história. A gente tem um tratamento especial com as revistas. Se você vai gastar com papel, com tinta, vamos gastar com coisa boa, trabalhar um pouco mais. O que também conta é o tempo de experiência. Quando você faz um fanzine com quinze anos, vai ser xérox, porque tem que ser xérox. Agora, com trinta anos de idade, você pensa: Um “xerocão”? Ah, precisa ser melhor do que isso. Você já sabe como funciona a gráfica, onde você pode ganhar. A Rock’n Roll foi uma das coisas mais felizes que já fizemos. Foi pá-pum e deu super certo. Quando a revista se bancou, pensamos: vamos fazer mais? Claro que vamos.