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Léo Burgos
Fotógrafo

Léo Burgos: o cidadão multimídia
Keila Baraçal

Passando os olhos pelos álbuns virtuais (flick e blog) de Leonardo Burgos, 25, conseguimos perceber que ele é um cidadão paulistano, amante de sua cidade. Podemos pensar que ele é até mesmo, alguém, onipresente em São Paulo.

Pense em algum lugar da capital. Pensou? Certamente ele deve ter alguma imagem sobre este ponto. Se ainda não tem, um dia terá.

O que faz de Léo – como prefere ser chamado - um andarilho urbano (na mais sublime expressão das palavras) é a maratona diária que ele faz.  Sai diariamente de sua casa no bairro de Sapopemba, zona leste, pega ônibus, metrô e o que mais for necessário, para chegar em seu trabalho na Freguesia do Ó, zona norte. É neste “meio tempo”, que ele consegue flagrar as mais diversas cenas. Saca sua sempre companheira máquina fotográfica da mochila e... click, click, click -  ora com flash, ora sem ele. “A cidade de São Paulo é um verdadeiro museu aberto. A gente sempre encontra uma obra de arte pelas ruas. É só saber olhar”, afirma.    

Uma das definições que ele dá para ele mesmo é: “Jornalista, Fotógrafo, Artista Plástico e o que mais pintar.” Sim, “e o que mais pintar”. Em uma conversa descontraída com a reportagem do Desenho Livre ele conta um pouco das suas mil e umas facetas. Sobre o que já fez, sobre o que pensa sobre São Paulo e seus futuros projetos. Confira:

 

Desenho Livre: Você se define fotógrafo e o que mais pintar. O que significa afirmação para você?

Leonardo Burgos: Na verdade, eu gosto de arte em geral. Mas me identifiquei bastante com a fotografia, quando entrei na faculdade de Jornalismo (São Marcos), especialmente, o fotojornalismo. Eu gosto de estar na rua. Ando com a máquina. Então, aconteceu qualquer coisa, eu corro para o lugar e fotografo. Para mim o que é mais importante é estar na rua. O inesperado é o que dá vontade de fazer. Não gosto de fazer coisas posadas, como fotografar modelos. Até faço produção, mas o que é legal, é estar na rua, cobrindo os acontecimentos, o fotojornalismo mesmo.


DL: E o “mais pintar”?

LB:  O “mais pintar”, eu digo porque eu trabalho com tudo o que der na minha mão. Tudo o que aparece eu tento fazer alguma coisa com aquilo. Eu montei um lustre no meu quarto com uma saladeira de plástico que eu furei. Furei, coloquei um soquete e ficou parecendo um lustre comprado em loja. Fiz com uma saladeira – produto de uma loja de 1,99. Eu montei também um outro que é um abajur com  jogo americano.  Faço coisas com lixo também – garrafas de refrigerante. Eu deixo dar asas à minha imaginação e eu vou até o final.


DL: Você consegue lembrar de alguma cena que simbolize o despertar da arte em você?

LB: Da minha infância eu não consigo lembrar muitas coisas. Não sei se isso é um problema, mas eu não consigo lembrar. Mas, do pouco que eu lembro, eu recordo que gostava muito de educação artística, de pintura, de cortar e de colar. Sempre gostei disso. Comecei com pintura abstrata e, depois, veio a fotografia. Hoje eu ainda pinto, mas faço muito menos do que eu fazia antes. A arte é como uma válvula que a gente desenvolve em meio a esse mundo que a gente vive. Mundo de correria, de ônibus, de metrô, de trabalho, de voltar pra casa, de não ter tempo pra dormir. Então, a pintura e a fotografia fazem você viajar um pouco e sair desse mundo, entrar em outro – o da imaginação mesmo. Para mim é isso. Eu comecei a pintar, foi meio que um pouco de fuga e, depois eu fui descobrindo outras coisas. Eu gosto de coisas que mexem com a mão. Gosto fazer qualquer coisa nova.

DL: Suas fotos têm muita coisa sobre a cidade. Você tem fotos de uma cachorrinha na Avenida Paulista, imagens de detalhes da cidade. Qual é a sua relação com São Paulo?

LB: Eu pego um ponto principal da cidade e transformo com outras cores. Eu gosto muito do movimento Pop Art, de (Marcel) Duchamp. Isso me inspira a fazer este tipo de trabalho. O céu de São Paulo não é cor-de-rosa, mas para mim e para eles pode ser. É um outro jeito de você olhar as cores e as coisas da cidade.


DL: E você sai pela cidade fotografando mesmo?


LB:
Eu ando com a câmera, então, a qualquer momento em que eu veja uma coisa legal, eu fotografo. Tenho grupos de fotografia. A galera combina sempre para ir para tal lugar e eu vou. Algumas vezes vou sozinho também. Porque eu quero ir lá e quero fazer as fotos. Eu gosto de detalhes. Gosto do detalhe de um portão que ninguém olha para ele, mas eu olho.


DL:  Seu trabalho final da faculdade foi sobre o Parque da Luz. Há algum motivo em especial?


LB: Foi um documentário fotográfico sobre as esculturas do Parque da Luz. Isto virou um livro chamado “Museu Aberto”. O parque é um museu, num lugar aberto, onde qualquer pessoa vai até lá, pode ver, não precisa pagar nenhum ingresso, não precisa ter conhecimento em arte, não precisa ter nada. É algo aberto para todos os públicos.  A gente descobriu que as esculturas que estão dentro do Parque fazem parte do acervo da Pinacoteca do Estado e o Parque é da Prefeitura. Como são de administrações diferentes, não tem ninguém pra falar sobre elas dentro do parque. As esculturas estão lá para enfeitar. Tem gente para falar das esculturas dentro da Pinacoteca e tem gente para falar das árvores centenárias do parque.  O que a gente descobriu foi que na Virada Cultural tem uma programação especial no Parque da Luz sobre as esculturas. Aí tem um monitor que fala. Mas isso acontece só naquele dia específico do ano.

Esse passeio é bem legal. Acontece na parte da noite e eles emprestam uma lanterna. A gente vai lá para o Parque e o monitor começa a falar sobre as esculturas, memórias e tal. E o legal disso tudo é que você direciona o seu olhar com a lanterna, porque está de noite. De dia você vê. Aquilo é aquilo mesmo. A noite não. A lanterna faz com que você olhe para o detalhe que você quer. É fantástico esse trabalho e eu acho que deveria ter mais vezes durante o ano.

DL: Diante destas dificuldades administrativas, como foi montado o trabalho?

LB:
Nós pegamos este tema e montamos um documentário fotográfico. Fomos saber o que as esculturas transmitem para as pessoas que circulam pelo Parque. No livro, você percebe que tem gente de todos os níveis sociais. Tem desde empregada doméstica, até bancários, professores de educação artística. Nem sempre a resposta de que tem um grau de instrução um pouco maior é tão legal interessante quanto a da empregada doméstica.


DL: Mas o que significa a disparidade das repostas?

LB:  É saber que as coisas estão aí. É legal se você tem condições de estudar para ter uma opinião formada. Mas se você não teve oportunidade de estudar, você também é capaz de ter a sua opinião.


DL: Você disse que, praticamente, morou e dormiu dentro do Parque. Como foi essa experiência?

LB: Antes eu tinha medo. De verdade. É um lugar que está perto da Cracolândia. Eu ando na boa, mas essa região da Luz é um lugar que me traz medo. Trazia. Eu fotografo a galera numa boa, mas não mostro o rosto porque o cara não está ali porque ele quer. Isso é um problema de todos nós e eu não tenho coragem de fotografar o rosto dele.

Posso fotografar o menino, mas eu não faço foto do rosto dele. Eu acho que é uma degradação humana você mostrar aquilo.  Ninguém precisa mostrar isso. E eu tinha medo, porque a Luz era uma região que, no passado, teve muito conflito na época da Ditadura Militar. Tinha o prédio do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), por exemplo. Era uma região pesada. Hoje, ela ainda é pesada. Dentro do Parque você vê um pessoal mais simples, tem a prostituição. Mas durante esse tempo todo em que nós estivemos lá, não tivemos problema com ninguém. Hoje  eu falo para muita gente conhecer o lugar. Tem a cascata, tem uma gruta com estilo francês, esculturas, coreto.  A gente passou bastante tempo lá e percebeu que aquilo era só uma má impressão.


DL: Há algum outro lugar na cidade de São Paulo que, em sua opinião, pode ser considerado museu a céu aberto?

LB: A cidade inteira é um museu a céu aberto, porque você passa por prédios históricos a todo o momento. Muitas vezes você não percebe, mas aquilo é um museu aberto. Tem o Teatro Municipal, a região do Viaduto do Chá. Tem o Viaduto Santa Ifigênia -  aquilo é uma obra de arte. A cidade inteira é uma obra de arte, mesmo as favelas, eu também acho que seja. Outro lugar também é o Mube (Museu Brasileiro da Escultura). Lá tem várias esculturas no entorno. Se a gente parar para pensar, as esculturas estão espalhadas por toda a cidade. O problema é que a gente não para pra olhar. A cidade é um pólo cultural. Você tem tudo na mão.

DL: Quais são seus próximos projetos de trabalho?

LB: Eu estou, como sempre, fotografando os pontos da cidade. Desta vez,  de uma maneira diferente. Peguei algumas fotos antigas da cidade e estou voltando no mesmo lugar para mostrar as mudanças. Já peguei algumas imagens de Guilherme Gaensly (fotógrafo suíço-brasileiro)  e a idéia é mostrar a transformação da cidade mesmo. Já fiz algumas coisas no Rio de Janeiro. Lá, por exemplo, você pega umas fotos do início do século 20  vê as mulheres com vestido longo e tal. Hoje, com as fotos que eu tirei, você já encontra orelhões, prédios, gente com bermuda.


DL: De onde surgiu este interesse?

LB: Como eu trabalho com pesquisa iconográfica (seleção de fotos para livros didáticos), acabei encontrando muitas destas imagens. Então resolvi fazer este trabalho. Não sei onde vai  dar, mas vou fazer. Até o final do ano já devo ter bastante material.
 

DL: Qual dica você daria para quem quer fazer fotografia como você?

LB: As dicas são bem simples:

    • Tenha um olhar diferente sobre as coisas. Não tenha o olhar como o das outras pessoas;

    • Observe os detalhes das coisas, uma flor nascendo no meio do concreto de uma calçada merece uma foto;
    •  Seja perseverante.