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ENTREVISTA DE JUNHO /2007 - por: Milena Oliveira Cruz

“ Desenhar muito, o tempo todo.”

Os quase 15 mil desenhos publicados apenas na Folha de S. Paulo já seria motivo para colocar Fernando Carvall entre os grandes nomes da ilustração brasileira. No entanto, ele ainda é colaborador das Editoras Abril e Globo e soma ao seu currículo o trabalho como professor, a participação em um documentário sobre o Pasquim e as atividades no Estúdio Saci, para citar apenas algumas experiências. Na entrevista ao Desenho Livre ele compartilha parte delas e fala, entre outras coisas, da falta de conhecimento dos jovens.

DL: Nos fale um pouco de seus trabalhos atuais. 

CARVALL: Eu estou na Folha desde 1990, como ilustrador e caricaturista. Também sou colaborador da Editora Abril e Globo – atendo algumas editorias quando há demanda. Agora também há o Estúdio Saci, no qual atendemos várias agências, fazemos muitos trabalhos para publicações internas e mídias eletrônicas – internet, intranet, um pouquinho de animação também. Sou ainda professor do Senac, há quase 20 anos. Dou aula de ilustração digital para os Cursos de Design de Interfaces, Design de Multimídia, Comunicação Visual, Design Gráfico.

 

DL: Há dias fixos em que o seu trabalho é publicado na Folha? 

CARVALL: Eu trabalho nos fechamentos de segunda, quarta, sexta e domingo sim, domingo não. Consequentemente, o meu desenho sempre sai às terças, quintas, sábados e segunda sim, segunda não.

 

DL: Hoje você é considerado um dos principais nomes do cartum nacional. Que pontos foram essenciais para que chegasse até aqui? 

CARVALL: O fato de publicar desenhos durante tanto tempo em um grande jornal, certamente contribuiu bastante. É uma vitrine muito importante. Além de um pouco de sorte, muita dedicação e esforço.

Essa exposição quase diária – são quase 15 mil desenhos publicados só na Folha – tem uma questão relacionada ao uso do computador. Minha geração é aquela que estava na redação quando colocaram o primeiro Macintosh. Portanto, ninguém sabia direito o que fazer com aquilo. A Folha foi o primeiro veículo impresso a fazer infografia com computador, a usar a diagramação mais extensivamente com paginadora. Quando eu entrei lá ainda se usava paste-up... Talvez nós estivemos em um momento interessante dessa passagem técnica. Estilisticamente, tecnicamente, pode-se dizer que muita coisa tenha aparecido primeiro lá.

 

DL: Como você foi parar na Folha? 

CARVALL:Eu bati e pedi para entrar, como qualquer pessoa. Fui com o portfólio na mão e dei sorte – aquela coisa do dia e da hora certa. Lá estavam o editor e a secretária de redação. Eles curtiram o meu trabalho e publiquei no mesmo dia.

 

DL: Mas muitos bons profissionais não conseguem chegar a um ponto de destaque, como foi o seu caso... 

CARVALL: Mas aí é que está. Existem outros caminhos, outros destinos. Para falar a verdade, o jornal impresso está mudando. As tiragens estão diminuindo e o problema, no meu entender, é que não estão surgindo novos leitores, a nova geração tem outras maneiras de apreender a informação. A internet veio para ocupar o espaço de outras formas. Então, o jornal vai ter de ser pensado de outra maneira. Tem muita “arquitetura” para ser feita e isso é uma realidade no mundo inteiro. Não digo que o jornal vai morrer, mas vai mudar. Dentro da própria Folha há esse questionamento. Eles colocam o ano de 2012 como, talvez, o fim de uma fase.

 

DL: Você arriscaria dizer quais são essas mudanças? Já existe alguma previsão? 

CARVALL: Eu não sei. O formato Standard do jornal não é ergonômico, vamos dizer assim, o tablóide seria uma opção. Outra possibilidade: tiragens menores e setorizadas. A Folha de S. Paulo por exemplo tem vários cadernos – política, economia, cidades, saúde, esportes. No futuro, penso que as pessoas vão assinar somente os cadernos que estão acostumadas a ler, para não receber o pacote todo.
Talvez cadernos com grandes matérias e abordagens analíticas...

 

DL: Você foi aluno do Ziraldo, não foi? 

CARVALL: Sim. Eles tinham uma escola e eu fui uma das últimas turmas, no início da década de 80. Para mim foi muito importante, os professores tinham muito a compartilhar. O método de ensino era muito legal. Eles usavam muito conceito, mas ensinavam os alunos a ler o desenho, a criar. Era “um barato”. Eu tive a sorte de pegar a “raspinha do tacho”, mas foi, inclusive, o que me fez mudar de faculdade – deixei administração e fui fazer artes plásticas.

 

DL: Entre os alunos, há muita vontade de aprender com os “grandes nomes”. Há, hoje, algum núcleo de desenho que compartilhe o conhecimento dos profissionais com os aprendizes? Na Folha, por exemplo, há essa iniciativa, mas em relação aos jornalistas... 

CARVALL: Eu acho muito importante. Na Folha, grande parte dos jornalistas foram trainees no jornal. No campo do desenho, teriam as escolas, as faculdades – tem muita gente bacana trabalhando. Para cada área tem uma escola: animação, caricatura...

O que está acontecendo hoje em dia é que os próprios alunos se reúnem e fazem o que se chama de “Coletivos”. Eles são egressos da USP, do Senac, da Puc e fazem performances nas ruas, arte digital... Esses núcleos, por si só, acabam sendo lugares de troca de informação e desenvolvimento.

 

DL: Nos fale sobre o Núcleo de Animação Grilos Mutantes. 

CARVALL: É um núcleo de animação da faculdade. Surgiu como mais uma atividade do Senac. O núcleo já tem dois anos, mas eu estou com eles há um. Na época eu tinha horas a cumprir, foi quando conheci o professor Péricles Martins, que estava coordenando o trabalho. Criamos um processo de trabalho que ficou bastante interessante. Os alunos desenham muito bem e em pouco tempo produzimos uma quantidade de minutos considerável. Temos 10, 11 minutos de animação. Pode parecer pouco, mas não é, tendo em vista que os alunos não iam lá todo o tempo. Ficou muito legal e nós começamos a mandar para diversos lugares. Aí a Nickelodeon ficou interessada e talvez os trabalhos sejam veiculados lá.

 

DL: Você foi um dos organizadores do documentário que celebrou os 30 anos do Pasquim. Frente aos grandes escândalos de corrupção no Brasil, que avaliação você faz da juventude de hoje? Como professor, como compartilha com seus alunos o papel questionador que o desenho pode ter?

 CARVALL: Eu tento falar da importância da comunicação, de maneira geral, para discutirmos qualquer problema –  e o desenho é uma das possibilidades. O Pasquim teve um papel muito importante, assim como têm os chargistas políticos de hoje. Sempre vai ter o que falar, o desenho sempre poderá ser uma forma de questionar o que está errado. O jovem ainda precisa aprender a ler mais sobre o dia-a-dia. O que eu percebo é que ele ainda está desinformado e desinteressado em relação a esses assuntos. Se formos compará-lo com a geração do Pasquim, percebe-se que é menos politizado. O jovem tem intenções e competência, mas esses assuntos ainda não interessam a ele. E não sei se vai interessar, pois a cultura visual do jovem é muito vasta, mas muito voltada para fora.  Ainda continua brega falar do Brasil, desenhar como um artista brasileiro. Sobretudo, portanto, acho que o jovem está desinformado e descrente.

 

DL: O Pasquim teve grande importância no contexto brasileiro e foi berço de grandes profissionais do desenho. Por que, na sua opinião, os ensaios de volta – como o Pasquim 21 e Bundas – não obtiveram sucesso?

 CARVALL: Porque tudo tem um período de vida. O Pasquim até que durou. O tipo de linguagem usada foi super moderna e cumpriu o seu papel. A Bundas foi um baita projeto legal – o formato era super bacana e entrou com tudo. Tinha ainda “os caras” do Pasquim e eles criaram uma coisa nova. Durou um ano, um ano e meio. Por outro lado o mercado publicitário não entendeu o nome da revista, o que fez com que eles não conseguissem anunciar – ninguém queria colocar o seu anúncio em uma publicação chamada Bundas... Este tipo de  coisa  acabou com  a revista. Então, eles tentaram ressuscitar o Pasquim, o que não deu certo. Porque na verdade já foi, não tinha mais sentido.

 

DL: O que você acha que está sendo realizado de mais interessante no Brasil hoje? Seja em animação, charge, ilustração...

 CARVALL: Na internet tem milhões de coisas interessantes. Meu sobrinho estava me mostrando aquela “Havaianas de Pau”. Aquilo lembra o Henfil, um humor bem trash. Acho um barato, morro de rir. Mas é um trabalho bastante discutido, tem gente que não quer associar a marca a eles. É um grupo muito forte, um pessoal da “Fábrica de Quadrinhos”. Eles eram autores que vendiam desenho para fora e estouraram.
No Anima Mundi também tem sido apresentada muita coisa legal. Penso que logo vai se estabelecer um mercado bacana de desenho animado no Brasil. O Senac vai ser uma ponta de lança nesse sentido.
Outra coisa que me encanta são os trabalhos do Guto Lacaz. Nossa! Eu queria ser ele (risos).

 
 

(auto-caricatura)
Fernando Carvall
Caricaturista

 

Dicas: Gostar de desenhar. Esse é o começo de tudo. Depois, aprimorar a técnica, correr atrás, fazer cursos, desenhar muito, o tempo todo. Caso contrário, você perde a mão, o olho. Sempre procuro fazer desenho de observação. Faz muito bem.

A realidade é a melhor referência. Passe um dia desenhando no zoológico, no centro de sua cidade. Não é bom ter referências apenas da internet e de livros.