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Entrevista com Paulo Gomes de Oliveira Filho, realizada dia 24 de agosto de 2005

Por Tatiane Cotrim

Você conhece seus direitos?

Paulo Gomes de Oliveira Filho é formado em Direito pela Universidade de São Paulo em 1972. Ele atua profissionalmente, como advogado, no segmento de Direitos Autorais e dá palestras de esclarecimento sobre o assunto. Ele falou ao Desenho Livre sobre os maiores problemas enfrentados pelos autores e também deu algumas dicas de como evitá-los.

 

DL: Qual o maior problema enfrentado no âmbito de Direitos Autorais?

Paulo Gomes: O maior problema é o desconhecimento da existência do Direito Autoral e os problemas que podem ser causados pelo uso indevido de obras de terceiros. Na maior parte das vezes, a infração cometida decorre muito mais da ignorância e do desconhecimento da Lei do que por má-fé. A área de propaganda é uma das que mais utilizam os direitos de terceiros. Um filme publicitário, por exemplo, possui vários autores que se conjugam para obter uma obra final. Começa pelo roteiro do filme, que é elaborado por um funcionário ou um criador da agência de propaganda. O criador tem direitos sobre o filme. Se este for desenvolvido por duas ou mais pessoas, passa a ser direito dele e também da agência de propaganda. Depois uma produtora cinematográfica é contratada. A produtora também possui seus diretores, cenógrafos e técnicos, que nas situações onde existe criação intelectual, também possuem direitos. Depois existe a produtora de som, que também tem o seu diretor, seus técnicos, o autor do jingle ou a utilização de uma música já composta, um fonograma, que também já tem seus direitos conexos. Além deles, existe uma infinidade de profissionais, como fotógrafos, ilustradores. O problema que temos hoje é exatamente esse: as maiores falhas que ocorrem na utilização de direitos de terceiros são decorrentes da ignorância à Lei de Direitos Autorais.

DL: No caso de desenhistas, ilustradores, fotógrafos, como funciona?

Paulo Gomes: Os fotógrafos possuem um capítulo específico na Lei de Direitos Autorais, mas também são englobados na parte geral também. Todo e qualquer criador intelectual, cuja obra tenha o mínimo de originalidade e criatividade, tem a proteção autoral. Então seja ele um publicitário, um fotógrafo, um artista plástico, entre os quais ilustradores, desenhistas, estão todos abrangidos no Direito Autoral.

DL: Quais os problemas mais comuns aos fotógrafos e desenhistas: utilização de obras sem autorização, alterações, reLeituras de obras?

Paulo Gomes: As adaptações e reLeituras ocorrem muito. Dentro da fotografia, do desenho e da ilustração, nós sempre temos que lembrar o Artigo 4, que diz que todos os negócios que envolvam os Direitos Autorais são interpretados restritivamente. Isso quer dizer que só é permitida a autorização que está constando expressamente no contrato ou no orçamento apresentado. Então se for visto o orçamento de um fotógrafo ou desenhista, e que aquela obra fotográfica ou ilustração é direcionado para um fim, ou seja, uma peça publicitária, por exemplo, não é permitida o uso para qualquer outra finalidade que não a publicidade. E ainda dentro da publicidade, deve ser indicado qual o tipo de mídia: se é mídia impressa ou eletrônica, qual o veículo, o período de utilização, o território onde isso vai ser utilizado. São limites que a própria Lei impõe. Além disso, não se pode utilizar uma obra derivada de outras obras, a não ser com a autorização expressa do autor ou se a obra primígena já caiu em domínio público. O que ocorre muitas vezes na área de ilustração e desenho é que há uma “inovação” ou “redesenho” de um outro desenho já existente sem a autorização do seu titular. Isso ofende outro aspecto do Direito Autoral: o Direito Moral. É o direito à paternidade da obra, o direito de ele permitir que a obra dele seja alterada ou derive outras obras. A mesma coisa vale para música. Quantas vezes você vê que são utilizados refrões de outras músicas? Isso não é uma liberdade poética que a Lei Autoral permita. Ela diz que você pode usar pequenos trechos de uma obra para compor algo novo, mas são pequenos trechos, isso não pode ser utilizado de uma forma mais ampla. As derivações de obras, podem ser feitas apenas mediante o uso do autor ou se a obra estiver em domínio público.

DL: Qual a diferença entre o Direito de Propriedade Intelectual e o Direito Moral?

Paulo Gomes: No campo da Propriedade Intelectual existem dois segmentos. Um é a propriedade industrial, regida pelo código de propriedade industrial, onde são regidas patentes, invenções. É onde, principalmente, as marcas devem ser obrigatoriamente registradas, para poder valer contra terceiros. Então quem quer o domínio de determinada marca deve registrá-la no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial).

No campo autoral, que é o segundo segmento, esse registro não é obrigatório. Basta que qualquer obra tenha os dois elementos, originalidade e criatividade, que já existe proteção. O autor pode exercer esse direito a qualquer instante em que alguém use indevidamente essa obra, seja por falta de autorização, derivação, e daí por diante. Temos também um terceiro segmento, que não é autoral propriamente dito, mas de certa forma chega nele, que é o direito personalíssimo de imagem, som de voz. Todos nós temos o direito pessoal à vida, à honra, à nossa imagem, ao nosso nome, ao som da nossa voz, e assim por diante. Isso, quando aplicado dentro da área artística, temos, além desse Direito Personalíssimo (que também cobre o autor e sua interpretação) o Direito Conexo, que está abrangido pela Lei Autoral. Então um ator, por exemplo, tem o Direito Conexo ao autoral, decorrente de sua interpretação, da sua imagem artística. Então ele tem dupla proteção: o Direito Personalíssimo e o Direito Conexo.

DL: O senhor falou que a Lei protege os contratos de forma restritiva. Mas também existem muitas pessoas que trabalham sem contrato. Como a Lei pode protegê-las?

Paulo Gomes: A Lei diz que quando não se estabelece um contrato escrito especificando qual a finalidade da obra, fica subentendido que a obra foi realizada para ser usada em sua primeira finalidade. Então se alguém elabora uma fotografia para compor uma propaganda, ainda que isto não conste em documento, se existem outros elementos que dão a entender a finalidade publicitária, sabe-se então que é restrito à propaganda. Não há interpretação elástica, ela é sempre restritiva. Isso é tido como suficiente para aquele comercial ou anúncio, por exemplo.

Quando o contrato não especifica um prazo de utilização específico, o prazo máximo de utilização é de 5 anos, não há uma presunção além disso. Em um exemplo prático: alguém que é contratado como fotógrafo por uma empresa de embalagens para fazer a fotos da embalagem de um produto para a empresa. Quando isso é feito, ele concede a imagem para utilização da empresa pelo prazo máximo de cinco anos, a não ser que exista outro prazo explícito no contrato. Se não há um prazo no contrato, depois dos cinco anos, a empresa não pode reproduzir a embalagem com aquela fotografia, apesar de não constar no contrato. O exemplo serve para qualquer outro criador intelectual.

DL: O que é Direito Moral?

Paulo Gomes: Eu sempre digo que ele é quase um direito genético: sou pai de três filhas. Se um dia eu morrer e um outro homem adotar as minhas filhas, ele vai ser pai adotivo. O pai genético serei sempre eu, mesmo morto. Assim funciona com o Direito Autoral Moral.

O Direito Autoral se subdivide em Direito Autoral Moral e Direito Autoral Patrimonial. Às vezes as pessoas confundem, achando que é a mesma coisa. Não é. O Direito Patrimonial é fácil de reduzir. É o direito da exploração comercial da obra. Esse direito pode ser transferido em vida ou em herança. O Direito Moral é o direito, basicamente, da paternidade da obra. É o direito do criador autorizar a criação da forma como ele bem entender, inclusive com eventuais modificações, que só ele pode autorizar. Se ele sentir que uma obra que ele criou está sendo utilizada de forma diferente de como havia determinado, ou achar que está depondo contra sua imagem profissional, pode pedir a retirada de circulação da obra, mesmo tendo autorizado anteriormente seu uso. Claro que, neste último caso, ele precisa pagar uma indenização por isso, mas a possibilidade existe. Vamos imaginar que um ilustrador criou o desenho de uma embalagem e, anos depois, ele ache que aquele trabalho não representa mais a sua qualidade de trabalho atual. Ele poder dizer o seguinte: “Não quero mais que esta ilustração seja usada”. Para isso, ele teria, em tese, que ressarcir o custo das embalagens que já foram produzidas e viabilizar também a criação de uma nova embalagem para a empresa. Particularmente, nunca vi isso acontecer no caso dos Direitos Autorais, mas é possível.

O Direito Autoral Moral jamais pode ser cedido. Uma música do Chopin será sempre a musica do Chopin. Não vai ter outro autor. Ela caiu em domínio público e pode ser utilizada sobre aspecto patrimonial por qualquer pessoa. Pode ser reproduzida, derivar outras obras musicais, e daí para frente. Mas ninguém pode dizer: “A música de Chopin é minha”. Não é. Vai ser sempre Chopin.

DL: E quem não trabalha com contrato, como deve agir?

Paulo Gomes: Uma vez que a pessoa se profissionaliza na área, sempre é mais interessante constituir uma empresa. Se calcularmos que hoje o imposto de renda devora quase um terço do que a gente trabalha, se a pessoa física receber por mês mais de R$ 2.220,00 , ela vai pagar 27,5% de imposto de renda, além dos outros impostos. Agora, se houver uma empresa, como microempresa ou empresa de lucro presumido, ela vai pagar, quando muito, 10 ou 12% de impostos gerais. É altamente mais recomendável constituir uma empresa. De qualquer forma, é sempre interessante documentar todas as contratações de serviço.

Muitas vezes, o grande problema do profissional recente é que ele não sabe quais são seus direitos e o cliente, que geralmente é mais forte, faz com que ele ceda seus direitos e assim por diante. Existem três itens que qualquer contrato ou proposta de orçamento devem estabelecer: qual a finalidade do trabalho, qual o território dessa utilização, qual o prazo de utilização e se há possibilidade de renovações.

DL: Como funcionam Contratos de Cessão de Direitos Autorais (C.C.D.A.), que, muitas vezes, são os oferecidos pelas editoras?

Paulo Gomes: A Lei fala tanto em cessão definitiva quanto por prazo determinado. Eu não gosto de usar a palavra cessão, prefiro concessão de uso. O que os autores precisam lembrar é que quando fazem a cessão de Direitos Patrimoniais de forma definitiva, perdem totalmente o direito de uso da sua própria obra. Não tem volta, a não ser que ele compre os direitos de volta. Isso significa que o comprador pode usar a sua obra para os fins que ele bem entender, mas não pode alterar a obra sem sua autorização e nem dizer que a obra é dele, já que o Direito Moral, como já disse, é intransferível.

DL: Muitos autores reclamam da exigência dos C.C.D.A. por parte das empresas...

Paulo Gomes: Sim, e reclamam com razão. A regra é sempre a não-cessão. A criação intelectual implica que o autor deva ser remunerado por cada utilização da obra, pois ela é como um filho para ele. Em determinados casos individuais, eu entendo que a cessão deva ocorrer. Por exemplo, quando um designer gráfico é contratado para criar uma logomarca. A logomarca é praticamente uma denominação, ela se incorpora à própria imagem da empresa. Então seria meio estranho que o designer, lá na frente, entenda que a obra não pode ser mais utilizada e que a marca é dele. Nessa circunstância, eu entendo que o designer deva ceder definitivamente o uso dessa logomarca.

E então aparece outro problema: o designer muitas vezes é contratado para atualizar uma marca que já está meio ultrapassada. Esse novo designer pega a base, o cerne da criação intelectual e desenvolve uma nova visão. Pelo Direito Autoral Moral, ele não poderia fazer isso, mas é amplamente feito. O que entra em discussão é até onde o Direito Moral valeria, pois, apesar de se tratar de uma derivação, é uma marca que pertence a outro. De qualquer forma, legalmente, isso não pode ocorrer sem a autorização do primeiro autor.

O Roberto Duailibi, um dos sócios da DPZ, sempre dá dois bons exemplos de cessão nas suas palestras. A pessoa que criou a caneta tipo Bic cedeu seus direitos para a empresa. Hoje ele é funcionário da empresa como porteiro. Deram uma função para ele não morrer de fome. Ele está pobre e é porteiro da empresa para a qual ele contribuiu sensivelmente com o produto. Do outro lado, tem a pessoa que criou o xerox, que não cedeu o direito. Ele recebe uma porcentagem mínima, algo como 0,0001% de todo xerox tirado no mundo. Ele está milionário. Então, eu aconselho que não seja feita a cessão definitiva do direito da obra, a não ser que não exista outra possibilidade.