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ENTREVISTA DE MARÇO /2007 - por: Milena Oliveira Cruz

Multifacetado

Caricatura, ilustração, pintura... A vontade de explorar as diversas possibilidades do desenho fez de Paulo Zeminian um profissional comprometido com a liberdade.
Talvez por isso ele tenha se sentido tão à vontade para falar, ao Desenho Livre, sobre outra vertente de seu trabalho: a arte experimental.

DL: Como começou sua relação com o desenho?

PAULO: Eu venho de uma família de artesãos. Meu avô paterno era marceneiro e até hoje tenho algumas de suas peças. Infelizmente não convivi com ele, mas reconheço nos detalhes a precisão e técnica ao observar o seu trabalho. Para mim é um grande documento.
Meu avô materno construía fachadas de prédios e meu pai, é artista plástico, faz esculturas e pinturas. Portanto, aprecio o fazer artístico.
Sempre gostei de desenhar, e acredito que toda criança goste. No entanto, tem um momento que passamos pela fase da escrita. E a escrita é lógica, racional; com ela se perde parte da liberdade característica da criança. Acho que quando começamos a ler deixamos de lado o desenho como linguagem.
Na minha juventude, não tinha muito certo o que queria fazer. Fiz um pouco de música, fiz arquitetura, história na PUC e desenhava, mais ou menos tudo ao mesmo tempo. Acho que pensar em conjunto é importante. Não há uma setorização do conhecimento. O pensamento é global.
É preciso retomar a concepção do pensamento renascentista, como o de Leonardo Da Vinci, que desenhava, pintava, dissecava cadáveres para estudar anatomia, fazia projetos de aeronaves etc.

DL: Qual a importância do artista na sociedade contemporânea?

PAULO: A importância do artista se faz presente na necessidade de ampliarmos nossas percepções, nas possibilidades de enxergarmos o mundo por outro viez, sairmos da rotina, sobretudo vivendo em uma sociedade massificada, pasteurizada, em que os meios de comunicação contribuem para a homogeneização das pessoas. O artista é a pessoa que dá o contraponto a essa padronização. O desenho é uma linguagem com enorme potencial de comunicação e de expressão. Está presente tanto na cultura indígena – nas pinturas corporais, nos ritos de passagem – como na prancheta de um arquiteto moderno, que projeta uma cidade.

DL: Qual é a idéia da arte experimental?

PAULO: Ela está na vontade de querer experimentar todas as possibilidades de lidar com a arte. Do desenho ao happening, da pintura à instalação. Sempre tentei utilizar os mais diferentes suportes. O desenho muitas vezes extrapola o universo do papel. A própria cidade pode ser um suporte para a arte. Nós, por exemplo, fizemos uma projeção sobre águas, em que projetamos imagens sobre a piscina do Sesc Vila Mariana. Esse tipo de trabalho é muito interessante porque entra em contato com o público, os banhistas que estavam no ambiente constituíam parte do trabalho. É uma interação entre público e espaço.

Gostaria que você falasse sobre a participação do público no trabalho do artista, que tem sido cada vez mais freqüente. Pode-se dizer que a arte está menos intimista?

PAULO: Realmente. Mais recentemente o artista começa a sair do ateliê e tenta se comunicar com o mundo urbano, o que eu considero um ponto positivo. Hoje a arte busca a comunicação com a cidade. Antes, ela estava restrita às galerias e aos museus. Esses espaços ficaram pequenos para a arte.
Eu, particularmente, sempre procurei novos espaços para a arte. Muitas vezes meu trabalho tem um caráter efêmero – por exemplo, quando pinto em um barraco na favela. A própria projeção não gera um produto, e sim um acontecimento, um happening – sempre na tentativa de se comunicar com as pessoas que estão naquele contexto.
Recentemente fizemos uma projeção em uma festa na Fábrica Moinho Matarazzo. Era uma antiga fábrica, na qual projetamos ferramentas sobre aquela arquitetura: martelos, serrotes, alicates etc. Tudo projetado em movimento e ritmo. Ou seja, dentro daquele momento festivo, com as pessoas dançando, o nosso trabalho atuou como a memória do local. A arte dialogava com o ambiente, que já não era uma fábrica, mas tentava trazer a estética que um dia caracterizou aquele espaço.

DL: Que tipo de diálogo os seus trabalhos têm estabelecido com as pessoas? Existe uma preocupação social de sua parte, não é?

PAULO: Sim, existe, fiz um trabalho com outros coletivos de arte (integração de artistas de diversas correntes, com o objetivo de realizar arte pública) em um prédio no centro de SP. Pintamos uma coluna de 9 metros de altura localizada no subsolo do Edifício Prestes Maia, hoje ocupado pelo Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC). É um grande edifício situado no centro de SP, ao lado da Estação da Luz, região que está sendo revitalizada. Entramos nesses locais, vivenciamos a realidade desses moradores e percebemos que não é nada do que a sociedade imagina. São pessoas fantásticas, e não baderneiras e desocupadas como muitos dizem. Os moradores têm um poder de organização maravilhoso. Eles possuem uma grande biblioteca, formada por livros recolhidos da rua. Não há hierarquia como estamos acostumados. Eles agem solidariamente.
Hoje está em curso um processo de limpeza da cidade de SP, com o intuito de mantê-la habitada apenas pela camada consumidora, o que é um grande erro. Nós, artistas, temos que lutar por uma cidade para todos. A beleza da cidade está na sua diversidade.
O subsolo desse prédio tornou-se um grande espaço de exposição de arte contemporânea, reunindo vários artistas. Hoje o Edifício Prestes Maia abriga 450 famílias, ou quase 2000 moradores. A coluna foi uma forma de dialogar não só com o espaço, mas principalmente essas pessoas. 

DL: De certa forma, tudo que é novo tem um “quê” de rompimento com o que está vigente. Isso se aplica ao seu trabalho?

PAULO: Eu não sei se quero romper com alguma coisa. Acho que essa foi uma idéia mais das vanguardas, que queriam romper com as idéias anteriores e apresentar sempre uma novidade.  Hoje vivemos em uma situação em que tentamos conviver com tudo ao mesmo tempo. Tanto o novo quanto o velho estão colocados em questão, o passado e o presente.
Também não pretendo uma arte de galeria; realmente vejo esse ambiente como um cubo branco. A arte não precisa de um lugar fechado – ela pode sair desse espaço e interagir com a sociedade.
Também acho importante o profissional não depender apenas de galerias e curadores, mas sim criar os seus próprios canais de troca e comércio. Por exemplo, no Rio de Janeiro existe um projeto chamado Ateliê de Portas Abertas. Em determinado mês, os artistas do bairro de Santa Tereza abrem as portas de seus ateliês para as pessoas visitarem, conhecerem seus trabalhos. Eles fazem, inclusive, um mapa com a localização de cada ateliê. Ou seja, as pessoas vão lá, conversam com o artista, às vezes se interessam, compram o trabalho. É um projeto interessante.
Ultimamente estou muito envolvido com uma arte mais engajada, usada como ativismo. Ativismo no sentido de abranger questões políticas e sociais. Penso que o artista deve estar comprometido com as grandes questões do nosso tempo. É preciso se posicionar. Também dou aula e a todo momento tento dialogar sobre isso com meus alunos. Eles serão os novos designers e precisam ter responsabilidade com o meio em que vivem.

DL: De que forma?

PAULO: Tenho uma ilustração divulgada em um site que tenta conscientizar as pessoas a andarem mais de bicicleta: (http://apocalipsemotorizado.blogspot.com). É importante que designers e arquitetos pensem na cidade não apenas para carros, mas também para o transporte alternativo. Se não repensarmos novas maneiras de viver, com o uso de fontes alternativas de energia, uso de novas tecnologias recicláveis, podemos entrar em colapso.
Estamos vivendo em uma sociedade terceirizada, na qual cada pessoa tende a se tornar uma empresa. E se cada pessoa tende a se tornar uma micro empresa, ela vai precisar de um logotipo, de um folder, de comunicação. É aí que entra o profissional de designer. Mas ao mesmo tempo, o poder de consumo está nas mãos de poucos. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e precisamos pensar nisso. O designer precisa estar atento e voltado para criações que valorizem o consumo responsável. Se vivemos em uma sociedade de consumo e não temos como fugir dela, que tenhamos um consumo responsável e procuremos saber a origem e a forma utilizada para fabricar os produtos que adquirimos.
A nova geração tem nas mãos a oportunidade de recriar a cidade. Se nossos avós tiveram o seu papel de construtores, nós também temos o nosso.

Paulo Zeminian
Artista plástico e ilustrador

 

Dicas

Tenha sempre um caderno de anotações e um lápis para desenhar e treinar o olhar. Se você tem facilidade em desenhar é possível caminhar por vários meios: arte no computador, pintura, escultura, design em geral.  Porque é o desenho que está por trás disso tudo.

Tente se interessar por tudo: ecologia, sociedade etc. Tente enxergar poesia nas coisas mais corriqueiras do dia-a-dia.

Viaje, quando possível, mas com um olhar de querer ver o novo e com a intenção de relativizar os seus valores ao conhecer outras formas de viver. Entre em contato com a cultura popular. O Brasil apresenta inúmeras possibilidades nesse sentido.